Showing posts with label VORAZ. Show all posts
Showing posts with label VORAZ. Show all posts

Saturday, August 25, 2012

VORAZ NAS VOLTAS DO VINDALHO

A família Voraz há muitas gerações que é dada à curiosidade e à culinária. Um antepassado meu, chef de governadores e vice-reis, foi mesmo o primeiro português a pisar terras do Japáo.
Desembarcou, levando consigo um ukulele e um bacalhau, que entregou a um japonês.
O japonês, que se chamava Heizo, disse "Arigato" e presenteou-o com um telemóvel.
Pensando – erradamente – que "arigato" era derivado de "obrigado", e que portanto não seria o primeiro português no Japão, Voraz retirou-se amuado para a Índia, abdicando daquela glória.
De regresso a Goa, Voraz convidou um colega indiano, chamado Sanjay, para almoçar, e mostrou-lhe a prenda que trouxera do Japão.
"É um telemóvel", disse Sanjay. "E como uso eu isto?" perguntou Voraz. Sanjay disse-lhe que tinha que o desbloquear, "Posso tratar disso, mas em troca ensinas-me o segredo deste magnífico prato que estamos a comer."
Apanhado de surpresa com um bocado de carne entre os dentes, já atacados pelos doces, pelo beri-beri e pelo escorbuto, Voraz retorquiu "Osto? É corne de porku êm vin'd'alho."
"Ah, vindaliu", exclamou Sanjay. "Vin'd'alho! Vin'd'alho!" soprou, desesperado, Voraz por entre fibras rebeldes de carne. Mas, como mandava a cortesia, aceitou a troca.
Nas mãos hábeis de Sanjay a carne em vinha d'alhos teve um enorme sucesso, e um dos seus netos vendeu a receita a um grupo de hooligans ingleses de visita, tendo asssim a família de Sanjay enriquecido à conta dela.
Os ingleses chamaram-lhe vindaloo, adotaram-no como prato oficial para acompanhar rios de cerveja e até o transformaram em hino de futebol.
Quanto ao chef Voraz viveu regaladamente o resto dos seus dias. Mas, até ao último suspiro, não parou de se queixar que tinha sido arruinado pelo mau negócio que fizera. E, como é habitual nestes casos, quanto mais dinheiro ganhava, mais ele se queixava.

Wednesday, August 22, 2012

VORAZ: O QUE VALE É QUE O POVO TEM MUITO CARINHO PARA DAR

Há bons pastéis de bacalhau, na minha vizinhança. Mas também há histórias emocionantes.
Morre queimado, durante a noite, um velho que vivia há anos num anexo degradado. Juntam-se muitos vizinhos curiosos, logo pela manhã.
Algum tempo depois, chegam os bombeiros e a ambulância para levar o cadáver.
Retiram-se os bombeiros, chegam os jornalistas.
Retiram-se os jornalistas, chegam dois grandes 4x4. Os ocupantes saem e começam a vestir complicados escafandros. Os escafandristas esquecem-se por certo de alguma coisa, pois os 4x4 desaparecem durante a hora de almoço. A ambulância continua de sentinela.
Regressam os 4x4. Os curiosos são agora raros.
Exatamente oito horas depois de ter chegado, a ambulância abre as portas para deixar entrar o corpo.
Durante as semanas seguintes podem ver-se excursões de famílias inteiras a visitar o local. Mês e meio depois ainda se sente alguma emoção. Como estes dois homens fazendo jogging a um domingo, um obviamente da vizinhança, que aponta e diz: "E ali, morreu um velho." 

Não há dúvida que o povo tem muito carinho para dar. Vai um pastelinho de bacalhau?

Sunday, August 12, 2012

VORAZ COLECIONA TUDO, DE FORMA CAÓTICA, NA SUA MEMÓRIA

Talvez, um dia, outra espécie de bicho mais eficaz do que a nossa, venha dizer que usamos a memória apenas para cumprir funções essenciais ao nosso estreito entendimento do Universo.
Como eles, eu penso que há um espaço muito mais vasto e profundo para a memória. Pela memória posso visitar a minha infância, o chouriço a pingar ao canto da cozinha
o meu primeiro bacalhau de escabeche, a minha coleção de primeiras namoradas
o meu terceiro primo da minha infância, grande e embirrante, em tudo diferente do segundo e do primeiro, o meu primeiro professor de matemática, o meu primeiro dentista e os figurões da adolescência
até consigo meter na minha coleção os figurões do futuro! Porque até há quem afirme que o que vem a seguir, vem primeiro e que o futuro condiciona o passado. É a isto que verdadeiramente se chama matar o tempo.

Mas afinal o que é a memória? Alguém disse que a memória é um lugar estranho para se estar, alguém disse que é um despejo, difícil de vasculhar, não sei se alguém disse que a memória é uma perda de tempo e de espaço virtual, mas se o disse, disse-o mal. Afinal, a memória é um bom sítio para se viajar.