Tuesday, June 29, 2010

OS CORNOS DO TOURO

Recebi esta mensagem ontem , por email:

"A entrada em vigor do Decreto-Lei 72-A/2010, de 18 de Junho cativa 20% das receitas do ICA relativas a 2010, significando menos 2 milhões de euros para os programas de apoio à produção, à criação, à distribuição e à exibição para este ano; este decreto implica ainda e em complemento um corte cego de 10% em todos os compromissos que o ICA assumiu com filmes e outros projectos em curso, cujos contratos de atribuição de subsídio são anteriores à data de 1 de Janeiro de 2010.

Este é o sacrifício que o Governo está a impor a este sector já tão fragilizado. A falência das produtoras, projectos a serem cancelados, rodagens a serem interrompidas, desemprego entre actores e técnicos, vão constituir o efeito imediato destas medidas. O futuro do sector está em risco. Por isso, convocamos produtores, realizadores, actores, técnicos, festivais e cineclubes para uma reunião a decorrer na próxima segunda-feira, às 18h, no São Jorge."

O meio do cinema de animação não é o meu senão marginalmente, mas sempre me fez impressão que os pagamentos de subsídios, numa actividade que não pode sobreviver sem eles, andem por norma atrasados, quando não muito atrasados. Como devem calcular tal hábito dificulta a vida a toda a gente que tem contas para pagar e afoga qualquer pequena empresa.
Àparte a história da crise (sempre "a verdadeira", a tal situação que "nunca esteve tão má"), conversa antiga que em Portugal serve habitualmente de desculpa a todas as manhas de mau pagador, dizia eu, àparte a crise, que agora tem aval internacional, faz-me ainda mais impressão que sejam decretados cortes a pagamentos que já deveriam, pelo que percebi, ter sido efectuados.

Quanto ao meio da banda desenhada, novela gráfica ou o que lhe quiserem chamar, que normalmente se mistura com o da animação, ilustração e cartoon, não me parece que o aval da crise internacional se lhe aplique, pois não sei o que se lhe possa cortar mais.
O mail dum amigo meu que recebi há dias e algumas notícias soltas dão-me a entender que não só as hipóteses de publicar os autores existentes, profissionais batidos ou autores emergentes, são quase nulas, como o desrespeito dos editores pelos próprios autores e pelo seu trabalho segue a norma em vigor na última década do século passado.

A partir do final dos anos oitenta instalou-se o mau hábito, entre editores e publicações periódicas, de cortar, sem aviso ou justificação ao leitor, as histórias ou séries em curso. Só eu levei com várias interrupções, cujas culpas me cairam obviamente sobre as costas, apesar de só uma delas ter tido a colaboração do meu proverbial mau feitio. Até um dia, pois então, por duas vezes, entrou em acção a SPA e de uma vez o tribunal. Não me consta que a minha atitude tenha sido sequer bem vista.
Foi acompanhada esta vilania sistemática pela tentativa de arrastar os pagamentos do trabalho dos autores pelo pó, usando as já conhecidas manhas de mau pagador, e que criou uma situação incontornável. As raras excepções não se generalizaram e agora... bem... agora é a crise, não é?

O que se seguiu foi o espelho perfeito da situação internacional, a tal que deu a crise que agora justificará todas as manhas, com a intensa actividade de festivais, pequenas publicações e workshops variados, algumas vezes com cordelinhos puxados por umas quantas mãos escolhidas a dedos e sobretudo dinheiros camarários. Trabalho que, este sim e apesar de alguma capelinhice tradicional, seria meritório, não fora, no mundo real, a arte não estar a render. Muita gente esqueceu-se , no seu entusiasmo, que não basta promover a arte, é preciso também publicar e sobretudo pôr a arte a render. Mas para isso seria necessário limpar mais de uma década de maus hábitos.

Recebi também recentemente dois mails, um a comunicar o balanço da actividade que o Diniz Conefrey fez no seu site Quarto de Jade, e que só vem juntar mais agruras ao panorama já esboçado, e outro da Cristina Sampaio a anunciar ter ganho o prémio Stuart de Desenho de Imprensa 2010 e que vem acompanhado com o excelente cartoon "O último a sair" (do país, que apague a luz). Não só o cartoon reflete bem a situação angustiada do pessoal aí na terra, como também a atitude normal do português face às situações que lhe impõem.

Talvez as particularidades dos divertimentos tradicionais dum povo nos possam dizer algo sobre ele. Se os portugueses têm os forcados em tão grande apreço não será porque, em geral, sejam incapazes de ir para os cornos do touro a menos que os empurrem?

(I join in here part of an old post from the Hard Line blog, in English, about the same subject)

I am away from Portugal since a long time and I don’t have much direct contact with people from my art. But from emails and commentaries on the internet I can guess the panorama doesn’t look much different from when I left. There is only one author, as far as I know, that lives from his art, which doesn’t make it a popular profession in Portugal, although there are a great number of authors with professional quality that publish occasionally and that, I believe, consider it the best part of their professional lives. Also as far as I know, there is only one successful copywriter, who is involved in almost all projects of comics and animation. There are several different reasons for this, let’s see some.
One, having one established example of something makes it easier for decision makers that are not fluent in the matter they are deciding to make the right choice.
Two, publishers, in order to tailor the market to their easiest and laziest solutions, hacked for more than two decades on the working conditions of the authors, with the result that the world seemed to stop. Few publishers saw results from this, though.
Three, there is a lot of stuff going around to distract our minds from the basic fact that there is still the need to fight with our bare fists and pens the sort of heavy-minded corporate somnambulists mentioned above. Organizations usually associated with town councils organize festivals, develop cultural activities on the side and even promote some authors and help publishing books. This is good work. People gather and talk, schools are involved, small editions printed. The situation seems rich in colors, information and opportunities, and the number of how-to-do specialists increase. But it doesn’t make it a profession. It’s like having a lot of silverware but no food on the table.

8 comments:

Fernando Correia said...

Amigo Relvas,
Procurei por ti na Net, curioso por saber por onde andavas, e encontrei este teu blog.
Lamento ficar a saber a situação a que se chegou na BD em Portugal, aqui descrita neste post.
Somos um pequeno país, com pouca cultura, cultura cada vez mais formatada pelos grandes grupos de comunicação.
A BD sempre foi algo à revelia do formatado.
Ainda tenho o desenho que uma vez me fizeste, no Pigalle, andava eu a ler o Tao Te King.
Nunca desistas.
Abraço
Kooper

relvas said...

Ora seja bem aparecido.
A minha análise (resumida) da situação não será partilhada por toda a gente, é certo, mas pelo que me parece, visto daqui de longe, o espaço para autores profissionais continua a ser tão reduzido como há vinte anos atrás, o que não significa grande progresso apesar do tema banda desenhada ocupar mais espaço.
Contudo tenho esperanças que isso mude.
Um abraço
R

Fernando Correia said...

... em conclusão, não vou conseguir ficar rico com o desenho que me ofereceste nem com a cópia do Estripador que editaste em Janeiro de 75. LOL

A propósito, O Estripador não costuma aparecer nas tuas biografias.

Então estás na Croácia, isso é bom por aí?

Abraço
Kooper

relvas said...

Rico não digo, mas se aguentares lá conseguirás boas ofertas... eu é que não estou nada rico, pois é. As minhas biografias são uma confusão do caraças e a culpa é mesmo minha, nunca fui muito dessas coisas.

Para veres coisas da Croácia vai ao blog do Urso do Relvas (sou eu mesmo), é só clicar no link aí mesmo ao lado.

Abraço
R

Fernando Correia said...

só para tua info, no perfil da Lena d'Água do Facebook, temos andado a falar dos velhos tempos da Amadora.

Ela acabou de dizer que também se lembra de ti e que também lá tem um postar teu

http://www.facebook.com/photo.php?pid=4595552&id=598132029

abraço
Kooper

relvas said...

Também não sou muito de rememoriar.
Um poster? Curioso...

Beijos e abraços ao pessoal

R

Karatekida said...

Relvas, pelo Kooper ( que conheço de outras lides) dei ctg...fui a tua "noiva", em noites giras no bar do Vitor, lembras-te? Também contava ficar rica à pala de um autógrafo teu, mas nunca o venderia, lol…Por onde andas? Bjs
Ana Clara

relvas said...

Já vi tudo, isto é o Facemundo à solta!
Curioso...

Divirtam-se
R