Tuesday, October 22, 2013

Pessoarda


Pessoardinha (figura simbólica).

1) Um Pessoa empunhando uma sardinha. O Pessoa simboliza o génio literário sem prejuizo das funções normais de escriturário, muito apreciadas pela população urbana. A sardinha simboliza uma das mais antigas exportações nacionais de sucesso.

2) Um Pessoa com uma sarda na mão. Há quem defenda que o peixe representado é, na realidade, uma sarda. Sendo assim, esta figura simbólica mais ousada deveria chamar-se Pessoarda.

Em cima: um Pessoa brandindo uma sardinha, ou sarda, num campo de Outonos. O campo outonal representa o que não é quente nem frio, nem bom nem mau clima, o que não anda nem desanda, o que é de brandos costumes, de brisas febris e desalentos constantes.

XXX

É preciso passar mais do que umas férias fora de Portugal, até mais do que uns meses, para se sentir bem como o relógio não anda ao mesmo ritmo para toda a gente. Depois de quase sete anos fora, a sensação, ao pôr os pés pela primeira vez no Rossio numa tarde ensolarada de Setembro, foi a de ter desembarcado numa atmosfera de geleia de limão, dentro da qual as pessoas pareciam movimentar-se em câmara lenta, indiferentes a um mundo onde se praticam outras velocidades, particularmente as senhoras idosas, deslocando-se com um muito próprio andar pendular, cujo dá a ilusão de andar em frente andando de lado. Ou vice-versa.

Três anos volvidos a sensação dissipou-se, noto apenas que há muita gente que se movimenta devagar e cabisbaixa, arrastando o esmagador peso de ter que se arrastar a si própria, e o andar pendular não passa já de uma curiosidade que só algumas senhoras de idade praticam. Adaptei-me, acertei o relógio. Direi então que, tal como o resto dos portugueses, sou um biolento.

Resumindo o que se conseguiu fazer em Portugal entre dois dezanoves de Setembro, de 2010 a 2013. Desta última data em diante, a avaliação será feita no ano que vem. Estes anos passaram de movimento rápido a movimento lento e a movimento suspenso. Sobretudo, foi uma experiência emocionante. Nos primeiros dois anos fez-se um filme de animação, acabado dentro do prazo, mas já com condições limitadas pelo anúncio de cortes. O produtor foi obrigado a encerrar o estúdio. A partir daí entrei em modo de sem-rede, qualquer tipo de rede. O país aprofundou o estado de delírio depressivo em que vinha vivendo. Recebi dois prémios. Simbólicos, assim como o Pessoardinha. Publicaram-se dois livros, por pequenos editores. Com rendimentos também simbólicos. A parte emocionante foi sobreviver, dia a dia, hora a hora, ao último ano.

Apesar de acertado o relógio biológico, fica ainda uma inquietante incompreensão por fenómenos a ele ligados. Como o manifesto desalento com que muita gente acolhe qualquer esboço de acção concreta e também o hábito generalizado de simular estar a resolver um problema sem na realidade meter mãos à obra, com todos os teatros e fogos de artifício que isso envolve. O que mais surpreende é as pessoas parecerem pensar que estáo mesmo a resolver qualquer coisa. Logo desde os primeiros dias em que chegámos a Portugal, ouvimos coisas espantosas.

Ouvimos, incrédulos, longas tiradas de prosa quimérica sobre as verdades da vida, ainda que em contradição com o que está à vista, com a desesperada certeza de que tudo o que cá está, está no sítio certo e se outros o têm fomos nós que o levámos para lá, e que não há no mundo outro povo que saiba como comer bacalhau.

Ouvimos muita gente dizer que é normal encontrarem-se portas fechadas, por considerarem que o próprio país fechou. Assim, naturalmente, devagar...

Ouvimos o silêncio oco do mau pagador, tão antigo e tão enraizado neste país, que já só se ouve com o nariz.

Ouvimos sapatear em vários estilos de passo lateral lento. Este consiste numa manobra de diversão em que vários passos lentos, muito visíveis, simulados para o lado, pretendem dar a ilusão de um passo enérgico em frente, sempre que necessária a execução de uma tarefa concreta.

Ouvimos, numa das primeiras de muitas manhãs passadas em balcões da segurança social e das finanças, o grito triunfal de uma funcionária atravessar uma sala cheia de gente, “Não há rede! Vamos todos almoçar!” Se ainda não tínhamos percebido onde estávamos, ficámos a saber.

Assistimos a várias tentativas baixas para nos sacarem dinheiro. Os quadros que trouxemos da Croácia foram alvos perfeitos, logo desde a alfândega. A parte mais cómica foi ver uma funcionária apontando freneticamente para o texto da declaração do ministério da cultura croata, tentando fazê-lo passar por um texto em inglês, numa tradução imaginária de sua conveniência.

Por outro lado, também tivemos a grata surpresa de ver a polícia resolver-nos um caso quando já quase o tínhamos esquecido, o que, depois de tudo isto, deveras nos espantou.

Coincidindo com o nosso regresso, caiu com estrondo a nova cara da sempre choramingada crise. Um quarto de século a pôr remendos numa máscara de prosperidade emprestada, eis o resultado.

Ouvimos, então, repetida vezes sem conta e com ares de consensual sabedoria, a mais aviltante desculpa que alguém poderia inventar, a de que o português é bom, só que é mal dirigido. Aparentemente a questão estará entre o conceito de governante e o conceito de gestor, mas isso é irrelevante porque os milagres não são do domínio nem de uns, nem de outros. Depois, o português não precisa de ser bem dirigido para ser bom. Precisa de estar inserido em todo um ambiente mais funcional, ou seja, é preciso não um bom gestor mas sim um ambiente inteiro num longe daqui inteiro. Depois, governantes e gestores, para ganharem o seu têm que tirar do teu, devolvendo-te qualquer coisa, de preferência que tu não tivesses de outro modo, o que significa que, em determinado ponto do processo em full swing, dêem-lhe a volta que lhe derem, a única coisa certa é que estão lá para te tirarem tudo o que puderem tirar, em troca de produtos viciados e, de preferência, viciantes. E isto dificilmente ajudará à solução do problema. E, por fim, é uma desculpa manhosa, abdicar da dignidade de ser pessoa responsável para não ter de assumir que o problema poderá estar entre as suas próprias mãos.

Talvez a razão possa estar escondida atrás de um verbo de sonoridades estilhaçantes:

pro.cras.ti.nar
(latim procrastino, -are, deixar para amanhã)
1) Deixar para depois, adiar, retardar.
2) Usar de delongas.





Como se chega lá? Para tentar compreender como se forma um país que desde há muito funciona parando, comecemos, então, pelo mais evidente, o biolento.


É histórico. O português é biolento. Chamam-lhe alguns os brandos costumes, se bem que isso não englobe a totalidade do fenómeno. Defendem alguns que por causa do clima. Talvez. Da brisa atlântica. Talvez. Do isolamento. Talvez. Seja qual for a razão, ou razões, é algo que está por aí. Pode mesmo ter desempenhado um papel importante na independência deste país eternamente outonal. É que isto pega-se e, quando se agarra, não há maneira de lhe dar a volta.

Imaginem-se hostes castelhanas numa hipotética invasão, batidas pelos maus ventos que as empurravam de Espanha, a serem apanhadas, a meio caminho de Lisboa, por uma estranha sensação de torpor. Presas de desânimo, que mais lhes restava do que arrastarem-se pelos campos e lezírias encharcadas, cabisbaixas e modorrentas, transformadas nos seus próprios verdugos, até ao ponto em que reconheciam a inutilidade de sofrer tão desgastante ventura, em vez de estarem a celebrar a vida com tapas, pinchos e viño fino. Ainda que chegassem até às muralhas da cidade, um ataque de peste e a ameaça de um desembarque de mercenários ingleses soaria a retirada definitiva.

Mas, teriam os portugueses medievais já esse feitio de lidar com o tempo? Estará mesmo o uso do tempo agarrado aos efeitos do clima? Fazendo fé de forais e notícias de torto, suspeita-se que a lei fosse muito relutante e os desfechos brutais. Imagino que, descontando as alturas em que era violento e brutal, o português era não só biolento, como também já seria um protocolento em botão. Os dois parecem ser inseparáveis, hoje em dia. Provavelmente manobrava por entre os meandros de um código de atitudes e fidelidades já herdado dos romanos. Daí viria a desenvolver o gosto por jogos de mesuras, alianças e rituais, em função das suas conveniências. Quando não estivesse a rachar a cabeça a alguém, claro.

Nas zonas de influência islâmica o protocolento seria mais ao estilo salamalequento. Juntos poderão ter formado hábitos de fronteira, hábitos de compadrio alargado regido por um cauteloso sistema de comportas rituais e procrastinadoras, um pouco como cofres de abertura retardada. Não me parece que o papel do clima possa ter sido predominante, neste processo.

Dir-me-ão que, mesmo sendo lento e mesureiro, o exemplo da tão cantada epopeia das descobertas viria mostrar quão dinâmico e decidido o português soube ser, no momento mais criativo da sua história. Em parte é verdade, mas uma parte bastante mais reduzida do que se quer fazer crer. Na realidade, a aventura marítima até viria a firmar a tendência existente. Senão, vejamos.

Comecemos pela realeza. O primeiro rei da dinastia que iniciou a dita epopeia teve vários filhos, meio ingleses, teoricamente meio-biorápidos. Contudo, segundo o cronista, ele próprio era um conhecido biolento. Por seu lado, o Infante, que tinha tido até aí uma vida recheada de emoções e intrigas, em que vira um irmão abandonado numa vala comum pelo sobrinho e um outro abandonado numa masmorra marroquina pela família, ficou mundialmente conhecido por se ter reformado à beira-mar a presidir a uma marcha lenta de descobrinhação. Três escravos aqui, uma família inteira acolá, dizia o Infante contando pelos dedos, vinte mais adiante, um par de rosas, ainda descobriremos ouro, vão ver, estamos quase lá, acreditem em mim.

Entretanto, morreu. O sobrinho, que era um rei daqueles de sair nas capas das revistas, todo tufado nos ombros enormes e nos sapatos descomunais, logo empandeirou o negócio, tentou uma aventura sebastianista no norte de África donde foi resgatado in extremis, entre outras desastrosas aventuras militares, que quase o iam levando em desgosto para a Terra Santa. Temos aqui um rei decidido e despachado, mas que não fez rigorosamente nada de útil.

Enquanto o rei cavalgava à sua custa e arruinava o país, o povo ia-se desenrascando. Biolentamente e procrastinando o mais possível, pelo seguro, pois enquanto cá está deste lado, é meu. Ainda os hábitos fronteiriços. O clima, entretanto, tinha mudado bastante, donde se deduz que pouca ou nenhuma importância teve para o caso, pois os hábitos transmitiram-se, sobreviveram e refinaram.

Abre-se aqui um curto intervalo, possibilitado pelo alargamento dos horizontes marítimos. Vamos, por fim, ver algumas figuras realmente decididas e despachadas. O novo rei, como decerto sabem, pois é episódio que estremece o coração de qualquer plebeu, despachou algumas cabeças de famílias nobres, inclusivé da sua própria família e por sua própria mão, e não só ressuscitou a empresa de descobrinhação do tio-avô, como lhe deu novos contornos e a encaminhou para uma coisa séria. Um dos jovens cavaleiros da sua casa seria mais tarde um dos mais dinâmicos e originais governadores das Índias.

Muitos outros houve e, claro está, também eles morreram. Heróis rápidos num autêntico filme de acção que acabava espalhado lentamente em praias tropicais, atascado em sangue e em febres...

... afogado no familiar nepotismo da administração...

... ou no fundo do mar.

O povo emigrava às carradas, morria em camadas e desenrascava-se ao ritmo índico. A distância da terra-mãe criava um maior à-vontade em termos de normas sociais, democratizava-se o uso de prerrogativas. Em suma, o português descobria um biolento exótico e ganhava uma nova paixão pelo abuso de códigos sociais.

O século seguinte viu os portugueses da Índia zangarem-se amiúde uns com os outros, por vezes de modo muito violento, intrigarem e puxarem-se mutuamente o tapete, por vezes usando apenas orelhas moucas e a já nobre arte da procrastinação.

Andavam lentamente pela rua, para se darem ao respeito, hábito que perduraria por vários séculos enraizado na imaginação da nobreza. Perguntar-me-ão, como pode alguém dar-se ao respeito andando como uma galinha, responder-lhes-ei, com uma espada à cinta e umas dezenas de capangas armados atrás. Sendo invejosos – pois a vaidade e a inveja têm um papel muito importante nestes assuntos – até à mais baixa parvoíce, tinham criados que lhes traziam as cadeiras até à igreja e que se batiam entre si pelos lugares a que os senhores achavam ter direito. Séculos de escravatura terão também deixado a sua marca nestes hábitos.

Qualquer problema ou mal-entendido de monta em Macau ou na Índia implicava uma viagem a Lisboa ou, mais tarde, a Madrid, sem a qual nada se resolvia, mas com a qual se poderiam limpar milagrosamente vários tipos de crimes. Os grandes iam a Madrid, os pequenos iam onde calhava, o que era preciso era cumprir o protocolar purgatório e olear o compadrio.

A partir daqui – crianças, acabou-se o intervalo – instalou-se definitivamente o já conhecido biolento e protocolento português, cauteloso procrastinador, que nenhuma guerra, austeridade ou regime ainda desalojou.

Foi também esta a época em que a Europa viu o nascimento de verdadeiras cortes de escribas e notários, com funções protegidas e uma linguagem própria. Estava inaugurada a época do funcionalismo de carreira e lançadas as sementes de uma estrutura frequentemente disfuncional que ocupa hoje boa parte da população do mundo, sementes essas que cairam muito bem nesta terra de mesuras e compadrios, de cerimónias e rituais.

“Cuidado com o que diz. As palavras hoje, amanhã, depois de amanhã e para a semana, podem representar um insulto aos papéis que estão em lista de espera.” Podem escrevê-lo num azulejo e distribuí-lo nas repartições.

Um exemplo de como as novas tendências burocráticas se vieram engavinhar nos velhos hábitos de fronteira e chegaram aos nossos dias. Leva-nos pelo menos um mês a interpretar um exame médico feito nos serviços de saúde públicos. Noutros países, ainda que em semelhante situação económica, o mesmo exame está pronto e visto pelo médico no próprio dia. Como é que eles dominaram a técnica de fazer tudo num dia? Ter-se-ão esquecido que há um cerimonial a cumprir, nestas coisas do conhecimento? Quanto a nós, devemos ter o serviço de saúde mais cerimonioso do mundo. Como dizia um rei, morrer sim, mas devagar. Está aí tudo resumido.

Mas, adiantamo-nos. Assim, a nossa história andou lentamente pelo século seguinte, apenas abalada pelo terramoto. Para o que aqui nos interessa, teremos que saltar as invasões francesas e as guerras civis e olhar para a magnífica paisagem que se nos apresenta logo a seguir. Oportunistas e carreiristas de múltiplas espécies polvilham o cenário, vestidos de reposteiro, com espadim e pasta nos corredores dos ministérios. Pimpões há que não só acumulam comendas, como são várias vezes marqueses, um pouco condes disto, um pouco condes daquilo e ainda dão uma de duques na missa de domingo.

Idos os fatos de reposteiro e espadim, que ainda passaram pela república, à excepção dos títulos nobiliárquicos, sobram-nos hoje os doutores de uma certa geração muito dada a atalhos, que ainda dão escândalo de vez em quando, doutores que não sabem para que lado fica a China, apenas sabem do seu oriente. Mas até isso há-de passar, afogado numa maré de emigração de cursos de design gráfico e humanidades.

Os amantes do cerimonial e os ritualistas, os colecionistas e os catalogadores, contudo terão sempre lugar. Entre eles estarão aqueles que encaram o ritual com bonomia, a boa cara da cerimónia, e os colecionistas dedicados, que colocam as coisas sempre no mesmo sítio mas também as mantêm vivas, porém também os vaidosos e os invejosos de sempre, os ciumentos e os intriguistas, os simplesmente inábeis, os atrapalhadores de serviço para quem as voltas do segredo são um instrumento e um vício. Estes ainda cá estarão, quando os emigrantes regressarem, como uma plantação de arbustos de espinhos. E perguntar-lhes-ão os arbustos “Não há lá gente séria como nós, lá donde viestes?” Ao que os que regressam lhes responderão, rindo, “Sim, mas nunca vimos tantos protocolentos juntos, a atrapalhar no mesmo sítio.” E que faz um protocolento, para além de atrapalhar?

Não é assim que se faz, diz ele. Esta é uma das frases que pode identificar um protocolento de carreira, seja ele de que quadrante for, sonhando com uma gloriosa reforma ou almejando mesmo ter, um dia, um busto no canto de um jardim ou, ao menos, o nome numa placa que não seja de cemitério.

Não é assim que se faz, sendo dita com cuidado e em surdina, acarinhada como uma peça de veludo, mostrada como uma arma afiada ou um tesouro, é a frase reveladora daquele que conhece e respeita todos os meandros do consuetudinário protocolo, certo de, através da sábia fórmula, lá ir trilhando os caminhos da fama local e da glória bairrista. Ser protocolento é como pertencer a uma grande sociedade discreta de portugueses cuja finalidade não é melhorar as coisas existentes e inventar novas, mas sim ganhar o seu e ser respeitado pelos pares e admirado pelos vizinhos.

Apesar de tudo, este sistema funciona. É sucesso garantido e estabiliza o capital, pela repetição de uma fórmula, testada em vários outonos. Normalmente cria híbridos do gosto popular, ele mesmo herdeiro de outros híbridos, com uma vaga tendência internacional recente. Sendo o trabalho bem feito, pode resultar mesmo algum efeito mais profundo do que uma vaga imitação em série. Sendo o trabalho mal feito é um grande empecilho, pois o gosto do povo raramente os distingue. Em qualquer dos casos é, também, uma grande contribuição para o assoreamento das ideias.

Contas por baixo, nos meus tempos de liceu passei por não menos de seis, até hoje vivi em pelo menos cinco localidades portuguesas diferentes e três estrangeiras e, por pouco tempo que lá vivesse, nunca fui turista. As exposições dos meus trabalhos ou se concentram num período, ou parecem colectivas. Cada nova aventura não é entusiasmante sem um novo estilo de desenho, um novo tipo de escrita ou, no mínimo, um arranjo gráfico diferente. Cada assunto só é interessante enquanto não completamente dominado. O texto, que foi tantas vezes caluniado quando da publicação semanal, não é fácil de seguir. Já se vê que não me dou bem com o sistema atrás descrito. Também não me é simpático quando me atravanca o caminho. Colarem-me às costas trabalhos passados, sugerirem imitar-me a mim próprio, também é casca de caracol que dispenso.


Lamento se pareço ingrato, mas alguns dos leitores de banda desenhada que podemos enquadrar no campo dos colecionistas revelam, quanto a mim, um impenetrável imobilismo ao escolher apenas os meus trabalhos mais antigos, como referência. São pessoas de gostos agarrados àquilo que consideram ser sério, em que apreciação estética é sinónimo de catalogação correcta. Não é solução tentar mostrar-lhes, a cada passo, que por cada um desses há outro melhor, mais recente e com vida mais instável, algumas vezes interrompido pelo próprio editor. Por outro lado, o mundo português dos críticos de banda desenhada é um mundo de imaginação. Geralmente pouco dados à investigação no terreno, conseguem dar novos títulos às obras que comentam, elaboram longos textos embrulhados em palavras formadas por aglutinação germânica, descobrem ligações a outros autores que o próprio autor desconhece, discutem entre si técnicas e influências que o autor não sabia possuir, enfim, um exótico fermento de invenção. Creio que, se estivesse no seu lugar, me divertiria bastante. Porque não aceitá-los, tanto críticos como colecionistas,  tal como são? Neste nosso mundo um pouco quântico, águas passadas ainda movem moinhos, contudo águas paradas não. A minha preocupação é, agora, desassorear a barra.

4 comments:

Carlos Manuel said...

Pois...
É verdade!

Carlos Manuel said...

Pois...
É verdade.

É a Pátria que temos

Maldito 1º de Dezembro !

Fernando Relvas said...

Pois... só que não tem nada a ver com conceitos de pátria ou mátria.... é mais a matrix... assim como as pessoas estão na vida!

FR

lbreda said...

"Lamento se pareço ingrato, mas alguns dos leitores de banda desenhada que podemos enquadrar no campo dos colecionistas revelam, quanto a mim, um impenetrável imobilismo ao escolher apenas os meus trabalhos mais antigos, como referência."

Compreendo-te perfeitamente. Por outro lado, os teus trabalhos mais recentes não estão acessíveis ao leitor português de banda desenhada, se é que isso ainda existe. Se calhar os colecionistas e os críticos agarram-se aos teus trabalhos antigos por falta de novas referências, o leitor de BD em Portugal não é um biolento, é um biomorto. :(

Quando li os teus trabalhos no tintin, pensei que eras "o" melhor autor de banda desenhada português, pelo teu claro empenhamento na experimentação e no domínio de novas técnicas, pela lucidez, humor, ironia e desencanto que colocavas nas histórias, mas sobretudo pela componente artística que se mostrava ainda pouco burilada, mas que se adivinhava grande no futuro. Quando li Bilal pensei que um dia lhe farias sombra.
Caro Relvas, quero dizer-te que não me desiludiste. O mundo é que se emaranhou por caminhos que não eram os teus.
Força e felicidades para os teus projectos.
LB