Sunday, March 10, 2013

VÁRIAS MANEIRAS DE MATAR GATOS



A acusação equivalia a crueldade literária sem fundamento ou proveito, e contestava a minha afirmação de que o homem gostava de gatos. Era pelo menos a sétima vez que batíamos no livro, ora porque soava a oco, ora porque estava salpicado de referências culturais que não estavam lá a fazer nada, incluindo no título. Agora eram os gatos.

Eu tinha lido algures que o autor metia gatos com frequência nos livros e lembrava-me de uma parte com gatos, que me tinha agradado e da qual não constava qualquer crueldade. De resto, o livro era um buraco na minha memória, entre uma série de avanços promissores e uns quantos finais tépidos.

Mas, para além da maldade de assim prender o leitor a nada de especial, havia a questão da crueldade. Um capítulo inteiro a matar gatos. Seiscentas páginas de avanços promissores e de finais tépidos e, ainda por cima, um capítulo inteiro a matar gatos sem qualquer necessidade ou proveito!

Disse que devia haver aí confusão, gato assassinado havia um, de um escritor japonês, tal como o anterior, lá dentro na prateleira de cima da estante da sala, cerca de cento e oitenta páginas de história bem agarrada e sem falsas promessas, com seis páginas de crueldade sobre um felino que não se esquecem facilmente.

Mas, por fim, tive que reconhecer existir, entre as seiscentas páginas, um capítulo inteiro de crueldade rapidamente esquecida. Quanta abundãncia de palavras para uma amnésia emocional!

Não sei se os outros livros deste autor também são assim. Sei que escreve um livro por ano, vende muito e é apoiado por uma incondicional corte de admiradores.

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